segunda-feira, 18 de abril de 2011

O OLHO QUE TUDO VÊ A SI SE VÊ?

Anotações para um Tratado sobre o Conhecimento:

TOMO 1

A leitura é uma forma especial de relacionamento com outros atores, assim como a observação, a audição, a atenção e a própria fala. Sou jornalista, ensaísta e poeta. Quando iniciei minha atividade em jornalismo tive um grande mestre: o escritor e filósofo Raduan Nassar (Lavoura Arcaica). O Raduan não fazia concessões. E seguramente um dos mais fortes elementos de sua disciplina para com os redatores era a obrigação que tínhamos de ler um romance por semana. Leio muito, todos os dias, em todas as oportunidades. Por hábito dificilmente faço uma leitura linear. Tenho sempre uma inquietação presente. Por exemplo: a possibilidade da vida ser em si um processo de cognição. Debruço sobre meia dúzia de livros. Em cada um deles colho o retalho de uma colcha e vai sendo tecida no interior do meu espírito. Em determinado momento tomo um livro - por exemplo, Um Deus Social - de Ken Wilber, ou um clássico de Piaget; então disciplinadamente lei o livro por inteiro. Isto acontece quando sinto que preciso ter o domínio não de uma idéia específica, mas do arcabouço teórico e dos insights de determinado autor. Construo esta trajetória com muita liberdade e assim como diz outro Drummond Penetro no reino surdo das palavras - com elas convivo: desta maneira da-se meu encontro com a filosofia.

TOMO 2

Um tema recorrente na filosofia - aparentemente desde os seus primórdios - é o debate em torno do que constitui a realidade: a sua essência - sua natureza primordial - e como ela se mostra - sua aparência. Neste sentido Platão é brilhante com a sua intuição descrita no Mito da Caverna. Ao longo da história da filosofia este debate prossegue, chegando aos dias atuais popularizado no cotidiano dos jornais, estimulado pelo filme Matrix, que transita entre o que poderiamos chamar de mundo real e um mundo ficcional (visto a partir do real), nos circuitos eletrônicos dos programas de computador. Num primeiro momento o homem experimenta a vida através dos seus sentidos - o que visão lhe mostra? A sombra projetada na parede? Então isto é real. O paradigma desta visão é toda a estrutura que os habitantes da caverna se vêem submetido. Mas um paradigma só tem sentido na história. Na construção de Platão os homens estariam condenados eternamente à visão a partir da caverna. A libertação como iluminação e emancipação aparecem no texto de Platão como algo fortuito: (...) Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente (...). Este mito lembra-nos outros como o do semideus Prometeu, que rouba dos deuses o fogo - a sabedoria - e os leva aos homens. O relato presente nas religiões abraamicas - sobre a Árvore da Viva - ou do Bem e do Mal - relata um estado de inocência primordial e dores existenciais, quando se inicia a trajetória ao mundo do conhecimento. A luz que cega, mas que também liberta: consciência da verdade. De certa forma a dor do parto (e o sofrimento do feto ) reproduz de forma arquetípica a saida da caverna em direção à luz.


TOMO 3


Gostaria de examinar a questão proposta pelo seu avesso: o que constrangeria o filósofo a abdicar de sua própria presença face às suas reflexões. Aliás, seria este um intento possível? Seria possível qualquer tipo de saber construído a despeito do sabedor (observador)? Ora, se aquele que sabe e reflete sobre este saber é a condição mesma desta própria saber, então como subtraí-lo? Vamos abstrair do Eu que conhece, sabe, faz história, reflete, enfim realiza aquela condição que o faz filósofo, a prerrogativa de sua identidade. O que sobra? Parece-nos que caímos em uma cilada conceitual; supor a obervação sem o observador.
Naturalmente poderíamos ainda argumentar: o real que se revela é uma tarefa de Deus. Mas se revela a quem, senão ao sujeito da revelação. Ainda hoje muitas correntes de pensamento supõem como natureza do saber científico a possibilidade de apropriar do real, de tal sorte que este real se distingue radicalmente do observador. Poderíamos descobrir as leis perenes deste real e, de tal sorte afirmá-la que estaríamos diante do real per si. Neste momento não seria oportuno maiores considerações sobre este movimento do pensamento científico (fortemente desenvolvido no final do século XIX e começo do século XX.).
A singularidade de tudo isto é que foi dentro da própria física, que vem surgindo um novo paradigma, que põe em questão este conceito de objetividade (a existência de um real per si) afirmado até então. Revendo agora alguns dos aspectos iniciais do nosso estudo de filosofia avançamos mais nas seguintes considerações:
- Toda a história da filosofia é marcada por dois pontos centrais:
a) (...) “ A verdade do mundo e dos humanos (...) podia ser conhecida por todos, através da Razão, que é a mesma em todos. (...) Assim a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza (donde o nome cosmologia )(...)”

b) Se a realidade é um fato objetivo – exterior aos seres humanos – o maior desafio do saber filosófico é desenvolver uma metodologia, que através da razão, do pensamento, revele objetivamente esta realidade.

Numa fase posterior ao chamado período Cosmológico – encontramos uma singular elaboração, desenvolvida pelo filósofo Sócrates, que identificará na introspecção o caminho do conhecimento. A expressão “conhece-te a ti mesmo”, tornou-se a divisa deste filósofo. “Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que o período socrático é antropológico”. E novamente indagamos “quem se conhecer”, senão o sujeito do conhecimento, que desta forma reafirma sua própria identidade ?

Anotações de Frederico Drummond

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