sábado, 5 de novembro de 2011

Psiquismo: propriedade fundamental do Universo Holográfico

domingo, 10 de julho de 2011

APOLOGIA DE SÓCRATES - Platão

COMENTÁRIOS DE TEXTOS FILOSÓFICOS

APOLOGIA DE SÓCRATES -  Platão


(...) Amor é compromisso
com algo mais terrível do que o amor?(...)

(Poema: Mineração do Outro – Carlos Drummmond de Andrade)



Um texto escrito por Platão citando um outro filósofo paradigmático e, que independentemente de ter sido historicamente real, é tão real quanto a força dramática do trecho do poema de Drummond de Andrade transcrito acima.
Em primeiro lugar não custa repetir os traços elegantes, fortes e dramáticos da Apologia. Eu encerraria aqui qualquer pretensão de comentário, se o texto se apresentasse apenas como um poema. Mas, sem deixar de ser poema de feição apaixonada é também uma elaboração filosófica e é, sobretudo um repto. Senão vejamos:

Qual a essência da “Apologia”? – De uma forma quase grosseira, diria que a obra é um libelo em defesa da Verdade. Mas de que verdade estamos falando, uma vez que esta verdade é um compromisso com uma coerência, daquilo que Sócrates tinha como mais valioso que a própria vida. A Verdade pode ser terrível? Sem dúvida e, nesta medida, ela chega ser “não humana”; ela é divina. É uma medida da dimensão absoluta de Deus, assim como acreditava Sócrates.

Sendo acusado de corromper os jovens e de ateísmo, Sócrates é levado a julgamento e finalmente, condenado à morte.

Na Apologia Platão pretende reproduzir a defesa de Sócrates perante seus acusadores e sua postura perante a sentença.

Para Sócrates, ao acusá-lo, seus juizes praticavam um ato ignóbil, injusto e maldoso. Cabia a Sócrates através dos seus argumentos impedir seus juizes de cometer uma maldade; esta era o sentido de sua defesa. Sócrates não receava sua condenação; mas sendo condenado, não teria sido capaz de impedir os seus juizes de alcançar a verdade.
Mesmo esta nova afirmativa em face do próprio discurso da Apologia revela alguns paradoxos: em todo o texto há um sentido de predestinação e fatalidade. Sócrates esperava ser condenado. É como se ele soubesse que estava jogando um jogo de cartas marcadas. Mas sendo assim porque o tamanho empenho na sua defesa?  Arriscamos a dizer que seu compromisso com a verdade obrigava-o a esta defesa, ainda que seu desfecho já fosse esperado.   


O singular é que Sócrates é citado como um marco no surgimento deste período da filosofia, que identificará na introspecção o caminho do conhecimento. A expressão “conhece-te a ti mesmo”, tornou-se a divisa deste filósofo. “Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que o período socrático é antropológico”.
A leitura à Apologia de Sócrates é tão sedutora, que uma pequena pesquisa mostra outras visões sobre o mesmo assunto. E é claro que estas opiniões se multiplicam.

Em um texto da professora Marilene Chauí (in Convite à Filosofia) ela assim se expressa sobre a Apologia:

“(...) Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembléia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno – a cicuta – e obrigado a suicidar-se.
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”, dizia ele, “se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia”.O julgamento e a morte de Sócrates são narrados por Platão numa obra intitulada Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates, feita por seus discípulos, contra Atenas.(...)”


Como já dissemos e, ao contrário do que diz a professora Chauí, Sócrates faz a sua defesa: ele precisava fazê-la. Não para alterar o resultado de um julgamento que ele já antevia o resultado, mas como um compromisso com a maieutica: é preciso manter o compromisso de dar à luz à verdade.   

Aqui vemos a figura de um arquétipo: o Sócrates Herói, aquele que se despoja da própria vida para salvar valores universais.

Texto - Frederico Drummond - Professor de Filosofia

segunda-feira, 20 de junho de 2011

HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA - I

1 - Introdução

Toda a história da filosofia antiga é marcada por dois pontos centrais:
a)     A verdade do mundo e dos humanos podia ser conhecida por todos, através da Razão, que é a mesma em todos. Assim a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza (donde o nome cosmologia).
b)     Se a realidade é um fato objetivo – exterior aos seres humanos – o maior desafio do saber filosófico é desenvolver uma metodologia, que através da razão, do pensamento, revele objetivamente esta realidade.

O primeiro período do pensamento grego toma a denominação de período naturalista (ou cosmológico), porque a nascente especulação dos filósofos é voltada para o mundo exterior, julgando-se encontrar aí também o princípio unitário de todas as coisas. Recebe a denominação cronológica de período pré-socrático, porque precede Sócrates e os sofistas, que marcam o começo de um novo período na história do pensamento grego. Esse primeiro período tem início no século VII século a.C., e termina dois séculos depois, mais ou menos, nos fins do século V. Os filósofos deste período preocuparam-se quase exclusivamente com os problemas cosmológicos. Estudar o mundo exterior nos elementos que o constituem, na sua origem e nas contínuas mudanças a que está sujeito, é a grande questão que dá a este período seu caráter de unidade. Pelo modo de a encarar e resolver, classificam-se os filósofos que nele floresceram em quatro escolas: Escola Jônica; Escola Itálica; Escola Eleática; Escola Atomística.
2- Os povos Indo-Europeus
Por uma questão de clareza, não se pode falar do mito grego sem antes traçar, um esboço histórico do que era a região antes da Grécia, isto é, antes da chegada dos Indo-Europeus ao território de Hélade.
Os gregos fazem parte de um vasto conjunto de povos designados com o nome convencional de Indo-Europeus. Estes, ao que parece, se localizavam, desde o quarto milênio, ao norte do Mar Negro, entre os Cárpatos e o Cáucaso, sem jamais, todavia, terem formado uma unidade sólida, uma raça, um império organizado e nem mesmo uma civilização material comum. Talvez tenha existido, isto sim, uma certa unidade lingüística e uma unidade religiosa. Pois bem, essa frágil unidade, mal alicerçada num "aglomerado de povos", rompeu-se, lá pelo terceiro milênio, iniciando-se, então, uma série de migrações, que fragmentou os Indo-Europeus em vários grupos lingüísticos, tomando uns a direção da Ásia (armênio, indo-iraniano, tocariano, hitita), permanecendo os demais na Europa (balto, eslavo, albanês, celta, itálico, grego, germânico). A partir dessa dispersão, cada grupo evoluiu independentemente e, como se tratava de povos nômades, os movimentos migratórios se fizeram no tempo e no espaço, durante séculos e até milênios, não só em relação aos diversos "grupos" entre si, mas também dentro de um mesmo "grupo". Assim, se as primeiras migrações indo-européias (indo-iranianos, hititas, itálicos, gregos) estão séculos distantes das últimas (baltos, eslavos, germânicos...), dentro de um mesmo grupo as migrações se fizeram por etapas. Desse modo, o grupo itálico, quando atingiu a Itália, já estava fragmentado, "dialetado", em latinos, oscos e umbros, distantes séculos uns dos outros, em relação à chegada a seu habitat comum.
Entre os helenos o fato ainda é mais flagrante, pois, como se há de ver, os gregos chegaram à Hélade em pelo menos quatro levas: jônios, aqueus, eólios e dórios e, exatamente como aconteceu com o itálico, com séculos de diferença entre um grupo e outro. Para se ter uma idéia, entre os jônios e os dórios medeia uma distância de cerca de oitocentos anos!
Se não é possível reconstruir, mesmo hipoteticamente, o império indo-europeu e tampouco a língua primitiva indo-européia, pode-se, contudo, estabelecer um sistema de correspondência entre as denominadas línguas indo-européias, no que se refere ao vocabulário comum e, partindo deste, chegar a certas estruturas religiosas e mitológicas (estudo comparado) dessa civilização.
O vocabulário comum mostra a estrutura patrilinear da família, o nomadismo, uma forte organização militar, sempre pronta para as conquistas e os saques. Igualmente se torna claro que os indo-europeus conheciam bem e praticavam a agricultura; criavam rebanhos e conheciam o cavalo. O vocabulário religioso é extremamente pobre. São pouquíssimos os nomes de deuses comuns a vários indo-europeus.
De qualquer forma os Indo-Europeus tinham elaborado uma teologia e uma mitologia específicas. Uma de suas conclusões maiores foi a descoberta da estrutura funcional da sociedade e da ideologia dos indo-europeus, estrutura essa fundamentada na tríplice função religiosa dos deuses: Soberania (sacerdotes – Zeus); Força (Guerreiros – Ares) e Fecundidade (Campônios – Deméter). Esta estrutura estava presente, além dos Gregos, entre os indo-iranianos, escandinavos e romanos.
Esta concepção de uma relação fundamental da organização social e sua mitologia será objeto das reflexões do surgimento do pensamento filosófico.
3 – O Mito e Filosofia
A professora, Marilena Chauí (in Convite à Filosofia -Ed. Ática, São Paulo, 2000) introduz o debate sobre o surgimento da filosofia, indagando se este saber teria nascido de uma ruptura radical com os mitos. Na seqüência ela lança a indagação do que é o mito, expondo sinteticamente a seguinte definição: - Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.). Ele produz esta narrativa por meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias.
Assim colocado, voltamos a questão inicial: o povo grego ao manifestar seu espanto perante a natureza, seus acontecimentos, a repetição dos fenômenos naturais, as novas descobertas, possibilitadas pelo desenvolvimento ainda que rudimentar de novas tecnologias (a náutica por exemplo, que possibilitou a descoberta de que a Terra não possuía o formato descrito nos mitos), ao perceber e transformar este espanto em perguntas: será que é assim? O que será de fato? – permitindo a formação do espaço inicial do da reflexão – promoveu uma ruptura com sua visão mítica da realidade?
Entendemos que existe mais de uma alternativa como resposta a esta questão. Na primeira, concordamos com a professora Chauí,que narra as diferenças entre a filosofia e o mito conforme reproduzimos abaixo:
“A Filosofia, percebendo as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente”.
Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes:
a). O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes de tudo existisse tal como existe no presente. A Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são;
b). O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas, enquanto a Filosofia, ao contrário, explica a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais.
O mito falava em Urano, Ponto e Gaia; a Filosofia fala em céu, mar e terra. O mito narra a origem dos seres celestes (os astros), terrestres (plantas, animais, homens) e marinhos pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto. A Filosofia explica o surgimento desses seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos - úmido, seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar.
c). O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador. A Filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.”
Todavia temos que considerar outras vertentes sobre sobe o que chamamos de consciência mítica, conforme uma abordagem mais antropológica destacando seu papel como uma realidade simbólica.
A consciência mítica ainda está viva e atuante. O mito, quando estudado ao vivo, não é uma explicação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma narrativa que faz reviver uma realidade primordial, que satisfaz profundas necessidades religiosas, aspirações morais, a pressões e a imperativos de ordem social e mesmo a exigências práticas. Ele desempenha uma função indispensável: exprime, exalta e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem. E é precisamente esta visão que nos impede de ver o nascimento da filosofia como uma ruptura à narrativa mítica, senão como uma nova vertente de construção do saber.
4 - Condições históricas para o surgimento da Filosofia
Não foi acidental o nascimento da filosofia na Grécia, no final do século VII e início do século VI antes de Cristo.
A historiografia permite-nos identificar algumas condições históricas para isto, conforme resumimos a seguir:
a) O surgimento das cidades, como espaço político de exercício da cidadania e seus contratos sociais;
b) O nascimento de recursos simbólicos de comunicação abstrata como: a escrita alfabética, a moeda (alterando a qualidade dos processos de troca) e o calendário (como uma dimensão social de organização do tempo);
c) O surgimento da política, juntamente com a formulação de Leis (relações contratuais negociadas); o espaço público e o direito à cidadania e o florescimento do argumento, através do discurso, como instrumento de convencimento.
d) A grande expansão das viagens marítimas, que promoveu uma grande revolução na percepção do espaço e o desaparecimento de alguns mitos, associados à força dos mares.
Seguramente esta conjugação de fatores tenha sido uma ocorrência singular do ponto de vista da história das culturas, mas foi precisamente este arranjo histórico que constituiu a base material, psicológica e espiritual para a emergência desta forma particular de conhecer o universo.Os aspectos mais singulares do surgimento da filosofia na Grécia podem ser resumidos da seguinte forma:
a) Com relação aos mitos: os gregos deram racionalidade a narrativas sobre as origens das coisas, dos homens, das instituições humanas (como o trabalho, as leis, a moral);
b) Com relação aos conhecimentos: os gregos transformaram em ciência aquilo que eram elementos de uma sabedoria prática para o uso direto na vida.
c) Os gregos inventaram a política (palavra que vem de polis, que, em grego, significa cidade organizada por leis e instituições).Instituíram práticas pelas quais as decisões eram tomadas a partir de discussões e debates públicos e eram adotadas ou revogadas por voto em assembléias públicas; porque estabeleceram instituições públicas (tribunais, assembléias, separação entre autoridade do chefe da família e autoridade pública, entre autoridade político-militar e autoridade religiosa) e sobretudo porque criaram a idéia da lei e da justiça como expressões da vontade coletiva pública e não como imposição da vontade de um só ou de um grupo, em nome de divindades. Os gregos criaram a política porque separaram o poder político e duas outras formas tradicionais de autoridade: a do chefe de família e a do sacerdote ou mago;
d). Com relação ao pensamento: diante da herança recebida, os gregos inventaram a idéia ocidental da razão como um pensamento sistemático que segue regras, normas e leis de valor universal.
5 - O nascimento da Filosofia – Período Cosmológico
A filosofia nasceu na cidade de Mileto, com o primeiro filósofo  Tales de Mileto, concebida como uma cosmologia. Em seu nascimento ela busca o conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza..
Em um período da história humana em que o saber filosófico pouco se distinguia do saber científico, é verdadeiramente notável o conceito formulado pelos filósofos naturalistas.De fato este é um marco central de evolução em relação ao pensamento mítico. E há mesmo um nível de sofisticação na construção dos conceitos, que gostaríamos de aprofundar na própria historiografia para entender os filósofos desta época da.Em primeiro lugar a idéia de buscar elementos fundamentais na natureza, para então formular teorias sobre o universo está na base da própria formulação sobre os conceitos iniciais da descoberta do átomo.Abstrações como de Anaximandro chegam a surpreender pela genialidade de sua formulação: um princípio natural - o ápeiron - como fonte de todos os demais processos naturais revela um nível de maturidade muito elevado. Mesmo sua idéia sobre a ordem do mundo, regulada por opostos - encontra uma interessante ressonância com os princípios contemporâneos da dialética. O equilíbrio pela relação entre os opostos tem uma equivalente no pensamento oriental nos princípios do Tao, que ainda hoje fundamenta a medicina tradicional oriental.Sabemos da distância destes períodos históricos. Mas recordamos estas aproximações como forma de reafirmar a maturidade do pensamento pré-socrático.
As principais características da cosmologia são:
Em um resumo geral das características do período cosmológico podemos observar que os filósofos deste período fundamentalmente buscam uma explicação racional e sistemática sobre a origem, ordem e transformação da Natureza, da qual os seres humanos fazem parte, sendo humanos e natureza, pela sua identidade, explicados pela filosofia.. Esta Natureza é eterna e tudo se transforma em outra coisa sem jamais desaparecer. Não é possível dizer que o mundo tenha vindo de algo, pois possui um fundo eterno, incriado. Este fundo, que é o elemento primordial da Natureza chama-se physis e só é visível ao pensamento (não pode ser visto por nossos sentidos). Embora a physis (o elemento primordial eterno) seja imperecível, ela dá origem a todos os seres infinitamente variados e diferentes do mundo, seres que, ao contrário do princípio gerador, são perecíveis ou mortais. Outro princípio familiar aos filósofos deste período e que todos os seres, além de serem gerados e de serem mortais, são seres em contínua transformação, mudando de qualidade  e de quantidade; esta também é uma característica do mundo está em mudança contínua, sem por isso perder sua forma, sua ordem e sua estabilidade. Todo este processo, que é percebido como movimento possui uma designação: é chamado devir, sendo a passagem contínua de uma coisa ao seu estado contrário e essa passagem não é caótica, mas obedece a leis determinadas pela physis ou pelo princípio fundamental do mundo. Finalmente vale registrar que os diferentes filósofos escolheram diferentes physis em seus modelos, isto é, cada filósofo encontrou motivos e razões para dizer qual era o princípio eterno e imutável que está na origem da Natureza e de suas transformações. Assim, Tales dizia que o princípio era a água ou o úmido; Anaximandro considerava que era o ilimitado sem qualidades definidas; Anaxímenes, que era o ar ou o frio; Heráclito afirmou que era o fogo; Leucipo e Demócrito disseram que eram os átomos. E assim por diante.
6  Principais Escolas
● filósofos da Escola Jônica: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso;
● filósofos da Escola Itálica: Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento;
● filósofos da Escola Eleata: Parmênides de Eléia e Zenão de Eléia;
● filósofos da Escola da Pluralidade: Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera.
Referências e consultas

Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.
CHAUÍ, Marilene “Convite à Filosofia” – Edição na Internet – Pausa Para Filosofia – 14 de fevereiro de 2003.
KIRK, G. S. Os filósofos pré-socráticos: historia critica em seleção de textos. 4. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
PRÉ-SOCRÁTICOS. Fragmentos doxografia e comentários. 2. São Paulo: Abril Cultural, 1996. 1 (OS PENSADORES).
Outras fontes de consulta na Internet sites: Ateus.net;  Mundo dos Filósofos; Consciência.

Texto de autoria de Frederico Ozanam Drummond
São Paulo, 13 de maio de 2006

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Nos domínios da Antropologia Filosófica - Quem é o Ser Humano?

QUEM É O SER HUMANO?

Qual desafio nos coloca esta indagação face às reflexões propostas pela Antropologia Filosófica? O tema, proposto possui uma direção: interpretar o ser humano no domínio de suas características constitutivas, incluindo sua realidade bio-psíquica-espiritual-transcendente.
Não é uma tarefa fácil e, do meu ponto de vista, cercada de questionamentos fundamentais sobre a especificidade de uma disciplina que se identifica no domínio simultâneo da Antropologia e da Filosofia, em uma ambiente de sínteses.
De início somos alertados de que “a explicação de quem é o homem não é uma simples análise existencial, nem uma síntese como a realizada pelos estudantes das ciências positivas”, porque estamos face uma disciplina filosófica e “que trata da essência, da universalidade, do ser humano”.
Logo em nossas primeiras reflexões desta disciplina, nos foi colocado o seguinte questionamento:
“Sempre interessou ao homem saber quem ele é. Você considera que a pergunta Quem é o homem?", que impulsiona o estudo da Antropologia Filosófica equivale ou é sinônimo da pergunta: "Que é o homem?", que motiva o estudo das ciências positivas? Você consegue explicar qual é o lugar ou função da Antropologia Filosófica”
O debate assim parte de um confronto entre duas indagações: o que distingue a indagação de QUEM É O HOMEM?,  de outra indagação – O QUE É O HOMEM? Naturalmente não estamos buscando distinções de classes gramaticais indicadas por pronomes relativos, embora tais distinções precisem estar presentes.
Superada este nível de questionamento focaremos a questão fundamental: estamos buscando circunscrever reflexões que iluminem a natureza fundamental do ser humano. Mas ainda temos uma questão. Porque situar esta busca no âmbito de uma disciplina intitulada Antropologia Filosófica?  Esta nos parece uma questão não resolvida. Vejamos porque?
O filósofo Max Scheler é considerado um dos principais filósofos ligado a Antropologia Filosófica.O centro do pensamento de Scheler era a sua teoria do valor. De acordo com Scheler, o ser-valor de um objeto precede a percepção. A realidade axiológica dos valores é anterior à sua existência. Os valores e seus correspondentes opostos existem em uma ordem objetiva.
Sem desconsiderar a relevância deste filósofo e sua grande contribuição para uma filosofia humanista, não pude deixar de questionar o sentido e o propósito desta ciência tal como por ele formulada. Pesquisando a questão encontrei uma importante reflexão de Heidegger precisamente nesta direção. Reproduzo abaixo a tradução do texto deste filósofo:
“(...) Que é isto, filosofar, se a problemática filosófica é tal que encontra seu lugar e seu centro na essência do homem?
Enquanto estas questões não sejam desenvolvidas e precisadas no seu encadeamento sistemático, não se poderão ver os limites essenciais da idéia de uma antropologia filosófica. Só a discussão destas questões fornece uma base ao debate sobre a essência, os direitos e o papel de uma antropologia filosófica no seio da filosofia. Sem cessar surgirão novas tentativas de uma antropologia filosófica que poderão se apresentar com argumentos plausíveis e defender o papel central desta disciplina sem, no entanto, poder fundá-la sobre a essência da filosofia. Sem cessar também aparecerão adversários da antropologia que poderão fazer notar que o homem não está no centro dos entes e que uma "infinidade" de entes encontram-se "a seu lado", uma refutação do papel central da antropologia filosófica que não é em nada mais filosófica que sua afirmação.
Assim uma reflexão crítica sobre a idéia de uma antropologia filosófica não somente ilumina sua imprecisão e sua fatal insuficiência, mas manifesta antes de mais nada que não dispomos nem de uma base nem de quadros necessários para um exame aprofundado de sua essência.(...)”
(http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/wfsection/article.php?articleid=360)
Mas estas reservas não impedem de refletir sobre a questão inicial: Quem é o homem?
Usamos a referência ao brilhante teólogo Leonardo Boff para estabelecer a referência do olhar que propomos sobre esta pergunta. Leonardo Boff conseguiu na sua práxis elaborar uma profunda visão do ser humano, como um ser holístico, planetário e ecológico. Em campos diferentes, mas atuando de forma pioneira fomos buscar dois outros pesquisadores, comprometidos com a verdade dos seus trabalhos: o primeiro Teilhard  Chardin (detalhamos abaixo seus histórico) ou outro François Brune, um padre, teólogo, poliglota e profundo conhecedor dos fenômenos paranormais. Pode parecer uma reunião inusual de pensadores. Mas esta excentricidade é apenas aparente: todos os pesquisadores relacionados têm em comum um profundo compromisso da sua espiritualidade e uma coragem incomum por trafegarem em áreas tabu, marcadas pelo preconceito e juízos fundamentalistas.
No Fórum destaquei alguns pontos que considerava merecedor de outras reflexões e, o fiz no mesmo espírito de liberdade responsável e serenidade recomendada por estes mestres. Assim vale recordar alguns pontos desta trajetória, a partir das dimensões relacionadas no próprio curso:

1)Dimensão psíquica -: o livro fala de psiquismo como alma e como essência. Estranhei que nenhuma das abordagens da própria psicologia embasasse esta visão. Em nenhum momento existe qualquer referência ao conceito de Consciência, da sua evolução e dos seus níveis. . Minimamente este espaço comportaria a visão de Teilhard  Chardin sobre a Noosfera, que é esta dimensão do psiquismo que se forma na rede social – a mais-consciência. Chardin não receia os juízos apressados, que o classificam como panteísta, mas considera a presença do Espírito Divino imerso no universo (como estofo do universo). Esta presença é a presença da consciência que participa da evolução.
Mas voltando aos conceitos de psiquismo registramos a ausência das contribuições de Freud e de Jung. Mesmo conceitos fundamentais como a formação do ego (reprimido ou dilatado) deixaram de ser abordado. A descoberta do inconsciente e as prisões interiores que sujeitam a alma a um “inferno na terra”, são aspectos fundamentais desta dimensão, assim como o inconsciente coletivo, os arquétipos e a sincronicidade, na visão de Jung. Os chamados estados específicos da consciência e as possibilidades de conhecimentos legítimos nestes estados (até mesmo de uma ciência dos estados específicos) constituem importantes experiências da vivência humana e que teria aqui seu espaço de reflexão.

2)Dimensão Espiritual:  Aqui nossa inquietação é ainda maior. Afinal o que é o espírito? É diferente da alma? É substância? Existe fronteira entre o psíquico e o espiritual? O que difere a alma do espírito? O espírito é um ente apenas metafísico? É um ente abstrato? Como este ente se relaciona com o Soma? E de todas as áreas estudadas esta nos parece a mais problemática.
Para indicar aspectos tratados apenas de forma velada no âmbito nas igrejas cristãs, gostaria de registrar as pesquisas do Padre e teólogo François Brune sobre a natureza do espírito. Brune conta com apoio Vaticano para prosseguir seus estudos. Um dos seus escritos famosos é livro: “Os Mortos nos Falam” Na introdução do livro Brune diz: “Escrevi este livro para tentar derrubar este espesso muro de silêncio, de incompreensão, de ostracismo, erigido pela maior parte dos meios intelectuais do ocidente. Para eles, dissertar sobre a eternidade é tolerável: dizer se pode vivê-la torna-se mais discutível: afirmar que se pode entrar em comunicação com ela é considerado insuportável”.
Estas fronteiras da espiritualidade é um campo que de forma corajosa e respeitosa Padre Brune investiga, sabendo que se tratar de “terreno minado”. Brune lembra àqueles que o questiona, que ele é um teólogo católico e é nesta perspectiva que pesquisa. Com a mesma fé que seguramente alimentam figuras como Teilhard de Chardin e Leonardo Boff, cada um em campos específicos de investigação.
Nossa recusa de examinar a cartografia dos “vivos de lá” (a morte não existe) faz com que tratemos a morte com um forte estranhamento, como cilada “à vida”. Um golpe com que nos acostumamos, mas custamos a aceitar. Todavia a melhor filosofia terá que se defrontar com episódios que sugerem outras possibilidades para a existência “na vida eterna”. A alma, como espírito, prossegue em evolução? Por que oramos para almas que purgam penas, purificando-se para o estado de “face a face com Deus”. Se a alma evolui existe uma experiência de tempo e espaço para ela? Se não evolui qual o sentido de nossas orações? E neste caso qual sua natureza; preserva uma individualidade que a distingue de outras almas? Não fugimos, nem escamoteamos estas perguntas. Preferimos o caminho de busca do padre François Brune. Não podemos falar da morte como um episódio alheio à vida.

3) Dimensões biológica e social

Inspira-nos em particular o enfoque sobre estas dimensões examinadas pelo teólogo Leonardo Boff, que hoje constitui um dos mais brilhantes expoentes da visão holística do ser humano. Com o espírito dos sábios Leonardo se vale de conceitos que foram sintetizados por Fritjof Capra e que resultou na formulação da Teia da Vida, embasando cientificamente a total integração de todos os elementos constitutivos do universo.
Em seu livro “A águia e a galinha – Uma metáfora da condição humana”(Editora Vozes), o teólogo,usando os conceitos de arquétipo (conforme a formulação de Jung) mostra-nos que ao falar de vida biológica está falando de nutrientes, saúde, trabalho, sexualidade, enfim de todos os aspectos que confere ao ser humano a sua dignidade de “filum” destinado “a crescer e multiplicar-se”, além, naturalmente de toda sua dimensão espiritual.
Leonardo Boff foi também um arauto da condição do oprimido; aquela situação que impedem os humanos realizar suas dimensões mais básicas. O quadro mundial de suas denúncias possui uma boa síntese nas pesquisas do professor Ladislau Dowbor, que nos revela os dados a seguir:

“(...) O resultado desta modernidade que tanto nos deslumbra com suas inovações tecnológicas tem muito pouco de compromisso ou de compaixão. Enquanto 800 milhões de habitantes dos paises ricos ostentam uma renda per capita de mais de vinte mil dólares, 3,2 bilhões de habitantes do mundo sub-desenvolvido vivem com uma média de 350 dólares, menos de 30 dólares por mês. Cerca de 150 milhões de crianças hoje passam fome no mundo, cifra projetada para 180 no ano 2000, enquanto cerca de 12 milhões simplesmente morrem antes dos cinco anos. O analfabetismo atinge mais de 800 milhões de pessoas, e aumenta de cerca de 10 milhões a cada ano que passa. O planeta ganha anualmente cerca de 90 milhões de novos habitantes, sendo que cerca de 60 milhões já nascem nas áreas mais miseráveis, condenados no seu primeiro dia de vida. Não se conseguem os cinco centavos de dólar por criança que custa o iodo que impedirá o bócio, ou os dez centavos para a vitamina A que impedirá a cegueira. Cerca de um milhão de crianças ficam assim mutiladas para a vida inteira, por ano. Meio milhão de mães morrem anualmente de parto, por não ter acesso a serviços e informação médica elementar: no conjunto dos paises desenvolvidos são apenas 5 mil. Uma África devastada chora as suas últimas árvores, e vê os seus solos desprotegidos carregados pelos ventos e pelas chuvas torrenciais, enquanto o Ocidente que a devastou lhe recomenda cuidados ambientais. (...)” (in A Reprodução Soical – Editora Vozes)

Este quadro nos assusta e muitas vezes nos sentimos tentados à respostas individualistas, à falsa espiritualidade, de buscar respostas apenas nos ritos (a espiritualidade com hora ou dia marcado), ao desespero e soluções alienantes (a moderna tecnologia nos supre de todos os Matrix/realidade virtual), ao ceticismo (vazio existencial), enfim de todas as formas que podem surgir para fugirmos de nós mesmos.

4) A Jornada Humana

Pela sua importância e atualidade de sua visão, profundamente holística, queremos fazer um registro e algumas considerações sobre aspectos das pesquisas do padre Pierre Teilhar de Chardin. Alguns dados da biografia deste autor são de extrema importância, como veremos a seguir:
« Jesuíta e paleontologista francês (Puy-de-Dôme, 1881; New York, 1955. A obra científica de Teilhard de Chardin situa-se principalmente na Ásia : descoberta do Sinanthropo (1929), explorações na Índia, em Java, participação no Cruzeiro Amarelo (1931, etc.). Seus escritos teológicos e filosóficos, proibidos pela Igreja durante sua vida, foram divulgados depois de sua morte. Iluminados por uma visão sintética do desenrolar universal da Evolução, eles dão valor ao fenômeno de complexificação cerebral do phylum humano, que levou ao aparecimento da consciência de si mesmo ("passo" da reflexão), depois a uma rêde mundial de comunicação dos pensamentos humanos, a noosfera, no coração da qual age o "Cristo Evolutor" e é quem conduz a Humanidade, de maneira imanente e transcendente, ao mesmo tempo, para o "ponto Omega" (Reino de Deus). Ele escreveu um livro de destaque, "O Fenômeno Humano," publicado depois de sua morte. »  Le Grand Larousse Universel, Tome 14, p. 10095
Dentro de suas idéias centrais temos a seguinte resenha:
Quando o Homem apareceu na Natureza, "no meio dos Primatas," ele desabrochou como "a flecha da Evolução zoológica" (PM p. 181). Ele era semelhante aos outros animais, exceto pelo fato de que ele trazia consigo uma diferença toda especial : a capacidade ainda adormecida de refletir. No estágio de hominização, os primeiros hominídeos tinham, em latência, um cérebro capaz de refletir, mas um sistema nervoso ainda primitivo. O movimento dispersivo do primeiro povoamento da Terra não favorecia a comunicação por agrupamentos. Em seguida, entretanto, durante o princípio da etapa do Homo Sapiens, no alvorecer da Era Neolítica, a Humanidade começava a se reunir, formando uma linha convergente sobre a Terra ; a aglomeração tornou-se necessária. Essa condição favorável encorajou o Homem a dar o Passo da Reflexão. Então um fenômeno muito especial é produzido : o nascimento de uma nova esfera planetária, acima da Biosfera, a Noosfera. A esse processo de dar origem a uma camada planetária inteiramente nova, formada totalmente pelo conjunto do pensamento humano, deu-se o nome de Noogênese (PH p. 160-173).
Esta é a visão  que está presente na reflexão de Leonardo Boff colocada no preâmbulo desta dissertação, mostrando a proximidade do pensamento dos dois autores.

5 – A Mística: Força Motriz da Práxis da Solidariedade
Em um seminário, promovido pela fundação Perceu Abramo, sobre Mística e Espiritualidade, diversas opiniões foram expressas sobre os significados mais profundos desta vivência, que se mostra mais forte do que o chamamos de crença.
Quem se move por uma mística não aceita a angústia como a última palavra. Porque o que entra em crise é a nossa projeção da utopia.
(Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra / e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer./ Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina / e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. C. Drummond)
São cristalizações históricas que não conseguem conter o grande sonho e, na prática, impedem a sua realização na vida das pessoas e das nações. A experiência mística é uma herança universal. É possível identificá-la em todas as civilizações e no cotidiano dos indivíduos. Mesmo quando há uma tendência a padronizá-la, domesticá-la e até torná-la propriedade de alguns iniciados. Porém, essa mística do compromisso ético e solidário relaciona-se fortemente com a mística da contemplação que é o saboreamento da presença da divindade na obra da criação e no trabalho humano. A mística se expressa conforme a conjuntura e a cultura: aparece como indignação, protesto, conflito, disputa, articulações. Mas não pode perder a dimensão da gratuidade: a ternura, o lazer, o ócio, a festa, a poesia, a celebração e a reza. A felicidade com que sonhamos deve realizar-se, desde já.

Referências bibliográficas:

SARTRE, J. P. O Existencialismo é um Humanismo. Apud. Os Pensadores. Vol. XLV, Abril Cultural.
BOCHENSKI. A Filosofia Contemporânea Ocidental. EDUSP, 2ª ed., 1975. FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 4ª ed., Agir.
JOLIVET, Régis. A Doutrina Existencialista. Livraria Tavares Martins, Porto, 1961.
LELOUP, J-Y – Caminhos da Realização – Dos medos do Eu ao mergulho no ser. – Petrópolis – Vozes – 1996

CAPRA, F – A Teia da Vida – Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos – São Paulo – Cultrix  - 1996.

BOFF, L – Ecologia  Mundialização Espiritualidade – São Paulo – Ática – 1993

CHAUI, M  - Ética e Violência – Artigo - http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=2305 (acesso maio de 2007)
BOFF, Leonardo. 1981. Igreja, carisma e poder: ensaios de eclesiologia militante. Petrópolis: Vozes.


Comentários e reflexões:
Frederico Ozanam Drummond

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O OLHO QUE TUDO VÊ A SI SE VÊ?

Anotações para um Tratado sobre o Conhecimento:

TOMO 1

A leitura é uma forma especial de relacionamento com outros atores, assim como a observação, a audição, a atenção e a própria fala. Sou jornalista, ensaísta e poeta. Quando iniciei minha atividade em jornalismo tive um grande mestre: o escritor e filósofo Raduan Nassar (Lavoura Arcaica). O Raduan não fazia concessões. E seguramente um dos mais fortes elementos de sua disciplina para com os redatores era a obrigação que tínhamos de ler um romance por semana. Leio muito, todos os dias, em todas as oportunidades. Por hábito dificilmente faço uma leitura linear. Tenho sempre uma inquietação presente. Por exemplo: a possibilidade da vida ser em si um processo de cognição. Debruço sobre meia dúzia de livros. Em cada um deles colho o retalho de uma colcha e vai sendo tecida no interior do meu espírito. Em determinado momento tomo um livro - por exemplo, Um Deus Social - de Ken Wilber, ou um clássico de Piaget; então disciplinadamente lei o livro por inteiro. Isto acontece quando sinto que preciso ter o domínio não de uma idéia específica, mas do arcabouço teórico e dos insights de determinado autor. Construo esta trajetória com muita liberdade e assim como diz outro Drummond Penetro no reino surdo das palavras - com elas convivo: desta maneira da-se meu encontro com a filosofia.

TOMO 2

Um tema recorrente na filosofia - aparentemente desde os seus primórdios - é o debate em torno do que constitui a realidade: a sua essência - sua natureza primordial - e como ela se mostra - sua aparência. Neste sentido Platão é brilhante com a sua intuição descrita no Mito da Caverna. Ao longo da história da filosofia este debate prossegue, chegando aos dias atuais popularizado no cotidiano dos jornais, estimulado pelo filme Matrix, que transita entre o que poderiamos chamar de mundo real e um mundo ficcional (visto a partir do real), nos circuitos eletrônicos dos programas de computador. Num primeiro momento o homem experimenta a vida através dos seus sentidos - o que visão lhe mostra? A sombra projetada na parede? Então isto é real. O paradigma desta visão é toda a estrutura que os habitantes da caverna se vêem submetido. Mas um paradigma só tem sentido na história. Na construção de Platão os homens estariam condenados eternamente à visão a partir da caverna. A libertação como iluminação e emancipação aparecem no texto de Platão como algo fortuito: (...) Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente (...). Este mito lembra-nos outros como o do semideus Prometeu, que rouba dos deuses o fogo - a sabedoria - e os leva aos homens. O relato presente nas religiões abraamicas - sobre a Árvore da Viva - ou do Bem e do Mal - relata um estado de inocência primordial e dores existenciais, quando se inicia a trajetória ao mundo do conhecimento. A luz que cega, mas que também liberta: consciência da verdade. De certa forma a dor do parto (e o sofrimento do feto ) reproduz de forma arquetípica a saida da caverna em direção à luz.


TOMO 3


Gostaria de examinar a questão proposta pelo seu avesso: o que constrangeria o filósofo a abdicar de sua própria presença face às suas reflexões. Aliás, seria este um intento possível? Seria possível qualquer tipo de saber construído a despeito do sabedor (observador)? Ora, se aquele que sabe e reflete sobre este saber é a condição mesma desta própria saber, então como subtraí-lo? Vamos abstrair do Eu que conhece, sabe, faz história, reflete, enfim realiza aquela condição que o faz filósofo, a prerrogativa de sua identidade. O que sobra? Parece-nos que caímos em uma cilada conceitual; supor a obervação sem o observador.
Naturalmente poderíamos ainda argumentar: o real que se revela é uma tarefa de Deus. Mas se revela a quem, senão ao sujeito da revelação. Ainda hoje muitas correntes de pensamento supõem como natureza do saber científico a possibilidade de apropriar do real, de tal sorte que este real se distingue radicalmente do observador. Poderíamos descobrir as leis perenes deste real e, de tal sorte afirmá-la que estaríamos diante do real per si. Neste momento não seria oportuno maiores considerações sobre este movimento do pensamento científico (fortemente desenvolvido no final do século XIX e começo do século XX.).
A singularidade de tudo isto é que foi dentro da própria física, que vem surgindo um novo paradigma, que põe em questão este conceito de objetividade (a existência de um real per si) afirmado até então. Revendo agora alguns dos aspectos iniciais do nosso estudo de filosofia avançamos mais nas seguintes considerações:
- Toda a história da filosofia é marcada por dois pontos centrais:
a) (...) “ A verdade do mundo e dos humanos (...) podia ser conhecida por todos, através da Razão, que é a mesma em todos. (...) Assim a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza (donde o nome cosmologia )(...)”

b) Se a realidade é um fato objetivo – exterior aos seres humanos – o maior desafio do saber filosófico é desenvolver uma metodologia, que através da razão, do pensamento, revele objetivamente esta realidade.

Numa fase posterior ao chamado período Cosmológico – encontramos uma singular elaboração, desenvolvida pelo filósofo Sócrates, que identificará na introspecção o caminho do conhecimento. A expressão “conhece-te a ti mesmo”, tornou-se a divisa deste filósofo. “Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que o período socrático é antropológico”. E novamente indagamos “quem se conhecer”, senão o sujeito do conhecimento, que desta forma reafirma sua própria identidade ?

Anotações de Frederico Drummond

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Heráclito:NO UNIVERSO TUDO MUDA

Os pensadores do período inaugural filosofia  perguntam-se pela gênese do cosmos, a forma da Terra, o movimento dos astros, os ciclos meteorológicos, a origem da vida, o alcance do pensamento. Faziam perguntas que incomodam, como: eu sou quem penso que sou? Não aceitam as respostas prontas, tradicionais, e, sim, olhando em torno proferem suas conjecturas.alcance. Contra as superstições e crenças estabelecidas, contra um antigo saber já consagrado, preferiram o enfrentamento direto com o mistério, tentando decifrar os enigmas do nascimento e da morte, dos céus e da Terra.
            No meio destas indagações vamos encontrar um pensador que ajudou a mudar a forma de pensar todas as coisas, como bem sintetiza a professara Marilene Chauí (“Pausa para o Pensamento” – edição na Internet):
“Heráclito afirmava que somente o devir ou a mudança é real. O dia se torna noite, o inverno se torna primavera, esta se torna verão, o úmido seca, o seco umedece, o frio esquenta, o quente esfria, o grande diminui, o pequeno cresce, o doente ganha saúde, a treva se faz luz, esta se transforma naquela, a vida cede lugar à morte, esta dá origem àquela”.
O mundo, dizia Heráclito, é um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico a si mesmo, mas tudo se transforma no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, responsável pela ordem racional do universo. Nossa experiência sensorial percebe o mundo como se tudo fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada permanece, tudo se torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição.”
            Heráclito viveu na segunda metade do século VI A.C., em Éfeso, na Jônia, Ásia Menor. Escreveu em prosa, em dialeto jônico. Consta que por ser descendente dos fundadores da cidade, poderia ter sido rei de Éfeso, mas cedeu este direito a um irmão. Descontente com seus concidadãos, afirma, no fragmento 121, que os adultos deveriam enforcar-se todos e entregar o governo aos jovens; pois os efésios haviam expulsado da cidade, Hermodoro, seu melhor homem, porque não queriam entre eles alguém tão valoroso! Heráclito deixou de intervir nas questões políticas, passando a viver solitário. Mas com as crianças gostava de lidar. Foi visto, muitas vezes, jogando com meninos. O que aprendeu com eles deixou nestes dizeres que vêm ressoando através das eras: "O Tempo é uma criança brincando; o poder real é o de um menino" (fragmento 32).
Mas uma das expressões mais famosas atribuídas a Heráclito para caracterizar a natureza, com uma essência sempre em mudança é: Ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio. Com isto Heráclito procurava mostrar que a vida é como um rio em permanente movimento. Mas se de uma lado podemos fazer observações desta forma singelas sobre o pensamento deste filósofo, por outro é fundamental acentuar sua contribuição para o surgimento da Teoria do Conhecimento.
Trazemos novamente outra contribuição da professora Chauí sobre o pensamento de Heráclito:
“Quando estudamos o nascimento da Filosofia, vimos que os primeiros filósofos se preocupavam com a origem, a transformação e o desaparecimento de todos os seres. Preocupavam-se com o devir. Duas grandes tendências adotaram posições opostas a esse respeito, na época do surgimento da Filosofia: a do filósofo Heráclito de Éfeso e a do filósofo Parmênides de Eléia.
Heráclito afirmava que somente o devir ou a mudança é real. O dia se torna noite, o inverno se torna primavera, esta se torna verão, o úmido seca, o seco umedece, o frio esquenta, o quente esfria, o grande diminui, o pequeno cresce, o doente ganha saúde, a treva se faz luz, esta se transforma naquela, a vida cede lugar à morte, esta dá origem àquela.
O mundo, dizia Heráclito, é um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico a si mesmo, mas tudo se transforma no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, responsável pela ordem racional do universo. Nossa experiência sensorial percebe o mundo como se tudo fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada permanece, tudo se torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição.”

Parmênides: confundimos o real com nossas sensações e lembranças.

Parmênides afirmava que o devir, o fluxo dos contrários, é uma aparência, mera opinião que formamos porque confundimos a realidade com as nossas sensações, percepções e lembranças. O devir dos contrários é uma linguagem ilusória, não existe, é irreal, não é. É o Não-Ser, o nada, impensável e indizível. O que existe real e verdadeiramente é o que não muda nunca, o que não se torna oposto a si mesmo, mas permanece sempre idêntico a si mesmo, sem contrariedades internas. É o Ser.

Pensar e dizer só são possíveis se as coisas que pensamos e dizemos guardarem a identidade, forem permanentes. Só podemos dizer e pensar aquilo que é sempre idêntico a si mesmo. Por isso somente o Ser pode ser pensado e dito. Nossos sentidos nos dão a aparência mutável e contraditória, o Não-Ser; somente o pensamento puro pode alcançar e conhecer aquilo que é ou existe realmente, o Ser, e dizê-lo em sua verdade. O logos é o ser como pensamento e linguagem verdadeiros e, portanto, a verdade é a afirmação da permanência contra a mudança, da identidade contra a contradição dos opostos.

Parmênides introduz a idéia de que o que é contrário a si mesmo, ou se torna o contrário do que era, não pode ser (existir), não pode ser pensado nem dito porque é contraditório, e a contradição é o impensável e o indizível, uma vez que uma coisa que se torne oposta de si mesma destrói-se a si mesma, torna-se nada.

O filósofo defendia a tese que os sentidos atestavam o devir, o nascer e o morrer, do calor e do frio, do dinamismo e da estaticidade, portanto o ser unido com o não-ser daria todo o enraizamento do erro (opiniões falaciosas) pela admissão da simples probabilidade da coexistência e também da passagem de um (ser) para o outro (não ser) e vice-versa (do não-ser para o ser).

Neste patamar, esse filósofo, afirma que reconhecia a possibilidade e a legitimidade do certo tipo de discurso que desse conta dos fenômenos e das aparências sem ir contra os princípios: o ser é e o não-ser não é. Para isso foi buscado, a seu modo, dar conta dos fenômenos expondo a opinião plausível além da falaciosa.

Dizia que o erro dos indivíduos foi ter falado e concebido que, assim como o dia e a noite eram opostos, o ser e o não-ser também seguiria o mesmo raciocínio, porem foi observado no fragmento oitavo que as forças contrarias, pois tanto a luz quanto a escuridão são iguais, portanto são seres e não-seres.

Então para finalizar, para Parmênides, o erro dos humanos está em não compreenderem que a força dos contrários está incluída numa força única superior, ou seja, numa unidade necessária, que se denominava a unidade do ser, pois as forças opostas são iguais e necessárias, pois em sua essência não carrega o nada e sim a igualdade de pertencer a força do ser.

Parmênides teve uma grande importância nos estudos metafísicos devido as características encontradas em seu poema, foi também considerado o fundador da metafísica ocidental com a distinção do ser e do não-ser. Deixou uma forte base para todo o pensamento filosófico - cientifico da conceituação e da definição do ser e do não-ser. Portanto até hoje suas idéias ainda são questionadas a respeito do assunto abordado e do vir-a-ser, que é a mera ilusão.