segunda-feira, 13 de junho de 2011

Nos domínios da Antropologia Filosófica - Quem é o Ser Humano?

QUEM É O SER HUMANO?

Qual desafio nos coloca esta indagação face às reflexões propostas pela Antropologia Filosófica? O tema, proposto possui uma direção: interpretar o ser humano no domínio de suas características constitutivas, incluindo sua realidade bio-psíquica-espiritual-transcendente.
Não é uma tarefa fácil e, do meu ponto de vista, cercada de questionamentos fundamentais sobre a especificidade de uma disciplina que se identifica no domínio simultâneo da Antropologia e da Filosofia, em uma ambiente de sínteses.
De início somos alertados de que “a explicação de quem é o homem não é uma simples análise existencial, nem uma síntese como a realizada pelos estudantes das ciências positivas”, porque estamos face uma disciplina filosófica e “que trata da essência, da universalidade, do ser humano”.
Logo em nossas primeiras reflexões desta disciplina, nos foi colocado o seguinte questionamento:
“Sempre interessou ao homem saber quem ele é. Você considera que a pergunta Quem é o homem?", que impulsiona o estudo da Antropologia Filosófica equivale ou é sinônimo da pergunta: "Que é o homem?", que motiva o estudo das ciências positivas? Você consegue explicar qual é o lugar ou função da Antropologia Filosófica”
O debate assim parte de um confronto entre duas indagações: o que distingue a indagação de QUEM É O HOMEM?,  de outra indagação – O QUE É O HOMEM? Naturalmente não estamos buscando distinções de classes gramaticais indicadas por pronomes relativos, embora tais distinções precisem estar presentes.
Superada este nível de questionamento focaremos a questão fundamental: estamos buscando circunscrever reflexões que iluminem a natureza fundamental do ser humano. Mas ainda temos uma questão. Porque situar esta busca no âmbito de uma disciplina intitulada Antropologia Filosófica?  Esta nos parece uma questão não resolvida. Vejamos porque?
O filósofo Max Scheler é considerado um dos principais filósofos ligado a Antropologia Filosófica.O centro do pensamento de Scheler era a sua teoria do valor. De acordo com Scheler, o ser-valor de um objeto precede a percepção. A realidade axiológica dos valores é anterior à sua existência. Os valores e seus correspondentes opostos existem em uma ordem objetiva.
Sem desconsiderar a relevância deste filósofo e sua grande contribuição para uma filosofia humanista, não pude deixar de questionar o sentido e o propósito desta ciência tal como por ele formulada. Pesquisando a questão encontrei uma importante reflexão de Heidegger precisamente nesta direção. Reproduzo abaixo a tradução do texto deste filósofo:
“(...) Que é isto, filosofar, se a problemática filosófica é tal que encontra seu lugar e seu centro na essência do homem?
Enquanto estas questões não sejam desenvolvidas e precisadas no seu encadeamento sistemático, não se poderão ver os limites essenciais da idéia de uma antropologia filosófica. Só a discussão destas questões fornece uma base ao debate sobre a essência, os direitos e o papel de uma antropologia filosófica no seio da filosofia. Sem cessar surgirão novas tentativas de uma antropologia filosófica que poderão se apresentar com argumentos plausíveis e defender o papel central desta disciplina sem, no entanto, poder fundá-la sobre a essência da filosofia. Sem cessar também aparecerão adversários da antropologia que poderão fazer notar que o homem não está no centro dos entes e que uma "infinidade" de entes encontram-se "a seu lado", uma refutação do papel central da antropologia filosófica que não é em nada mais filosófica que sua afirmação.
Assim uma reflexão crítica sobre a idéia de uma antropologia filosófica não somente ilumina sua imprecisão e sua fatal insuficiência, mas manifesta antes de mais nada que não dispomos nem de uma base nem de quadros necessários para um exame aprofundado de sua essência.(...)”
(http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/wfsection/article.php?articleid=360)
Mas estas reservas não impedem de refletir sobre a questão inicial: Quem é o homem?
Usamos a referência ao brilhante teólogo Leonardo Boff para estabelecer a referência do olhar que propomos sobre esta pergunta. Leonardo Boff conseguiu na sua práxis elaborar uma profunda visão do ser humano, como um ser holístico, planetário e ecológico. Em campos diferentes, mas atuando de forma pioneira fomos buscar dois outros pesquisadores, comprometidos com a verdade dos seus trabalhos: o primeiro Teilhard  Chardin (detalhamos abaixo seus histórico) ou outro François Brune, um padre, teólogo, poliglota e profundo conhecedor dos fenômenos paranormais. Pode parecer uma reunião inusual de pensadores. Mas esta excentricidade é apenas aparente: todos os pesquisadores relacionados têm em comum um profundo compromisso da sua espiritualidade e uma coragem incomum por trafegarem em áreas tabu, marcadas pelo preconceito e juízos fundamentalistas.
No Fórum destaquei alguns pontos que considerava merecedor de outras reflexões e, o fiz no mesmo espírito de liberdade responsável e serenidade recomendada por estes mestres. Assim vale recordar alguns pontos desta trajetória, a partir das dimensões relacionadas no próprio curso:

1)Dimensão psíquica -: o livro fala de psiquismo como alma e como essência. Estranhei que nenhuma das abordagens da própria psicologia embasasse esta visão. Em nenhum momento existe qualquer referência ao conceito de Consciência, da sua evolução e dos seus níveis. . Minimamente este espaço comportaria a visão de Teilhard  Chardin sobre a Noosfera, que é esta dimensão do psiquismo que se forma na rede social – a mais-consciência. Chardin não receia os juízos apressados, que o classificam como panteísta, mas considera a presença do Espírito Divino imerso no universo (como estofo do universo). Esta presença é a presença da consciência que participa da evolução.
Mas voltando aos conceitos de psiquismo registramos a ausência das contribuições de Freud e de Jung. Mesmo conceitos fundamentais como a formação do ego (reprimido ou dilatado) deixaram de ser abordado. A descoberta do inconsciente e as prisões interiores que sujeitam a alma a um “inferno na terra”, são aspectos fundamentais desta dimensão, assim como o inconsciente coletivo, os arquétipos e a sincronicidade, na visão de Jung. Os chamados estados específicos da consciência e as possibilidades de conhecimentos legítimos nestes estados (até mesmo de uma ciência dos estados específicos) constituem importantes experiências da vivência humana e que teria aqui seu espaço de reflexão.

2)Dimensão Espiritual:  Aqui nossa inquietação é ainda maior. Afinal o que é o espírito? É diferente da alma? É substância? Existe fronteira entre o psíquico e o espiritual? O que difere a alma do espírito? O espírito é um ente apenas metafísico? É um ente abstrato? Como este ente se relaciona com o Soma? E de todas as áreas estudadas esta nos parece a mais problemática.
Para indicar aspectos tratados apenas de forma velada no âmbito nas igrejas cristãs, gostaria de registrar as pesquisas do Padre e teólogo François Brune sobre a natureza do espírito. Brune conta com apoio Vaticano para prosseguir seus estudos. Um dos seus escritos famosos é livro: “Os Mortos nos Falam” Na introdução do livro Brune diz: “Escrevi este livro para tentar derrubar este espesso muro de silêncio, de incompreensão, de ostracismo, erigido pela maior parte dos meios intelectuais do ocidente. Para eles, dissertar sobre a eternidade é tolerável: dizer se pode vivê-la torna-se mais discutível: afirmar que se pode entrar em comunicação com ela é considerado insuportável”.
Estas fronteiras da espiritualidade é um campo que de forma corajosa e respeitosa Padre Brune investiga, sabendo que se tratar de “terreno minado”. Brune lembra àqueles que o questiona, que ele é um teólogo católico e é nesta perspectiva que pesquisa. Com a mesma fé que seguramente alimentam figuras como Teilhard de Chardin e Leonardo Boff, cada um em campos específicos de investigação.
Nossa recusa de examinar a cartografia dos “vivos de lá” (a morte não existe) faz com que tratemos a morte com um forte estranhamento, como cilada “à vida”. Um golpe com que nos acostumamos, mas custamos a aceitar. Todavia a melhor filosofia terá que se defrontar com episódios que sugerem outras possibilidades para a existência “na vida eterna”. A alma, como espírito, prossegue em evolução? Por que oramos para almas que purgam penas, purificando-se para o estado de “face a face com Deus”. Se a alma evolui existe uma experiência de tempo e espaço para ela? Se não evolui qual o sentido de nossas orações? E neste caso qual sua natureza; preserva uma individualidade que a distingue de outras almas? Não fugimos, nem escamoteamos estas perguntas. Preferimos o caminho de busca do padre François Brune. Não podemos falar da morte como um episódio alheio à vida.

3) Dimensões biológica e social

Inspira-nos em particular o enfoque sobre estas dimensões examinadas pelo teólogo Leonardo Boff, que hoje constitui um dos mais brilhantes expoentes da visão holística do ser humano. Com o espírito dos sábios Leonardo se vale de conceitos que foram sintetizados por Fritjof Capra e que resultou na formulação da Teia da Vida, embasando cientificamente a total integração de todos os elementos constitutivos do universo.
Em seu livro “A águia e a galinha – Uma metáfora da condição humana”(Editora Vozes), o teólogo,usando os conceitos de arquétipo (conforme a formulação de Jung) mostra-nos que ao falar de vida biológica está falando de nutrientes, saúde, trabalho, sexualidade, enfim de todos os aspectos que confere ao ser humano a sua dignidade de “filum” destinado “a crescer e multiplicar-se”, além, naturalmente de toda sua dimensão espiritual.
Leonardo Boff foi também um arauto da condição do oprimido; aquela situação que impedem os humanos realizar suas dimensões mais básicas. O quadro mundial de suas denúncias possui uma boa síntese nas pesquisas do professor Ladislau Dowbor, que nos revela os dados a seguir:

“(...) O resultado desta modernidade que tanto nos deslumbra com suas inovações tecnológicas tem muito pouco de compromisso ou de compaixão. Enquanto 800 milhões de habitantes dos paises ricos ostentam uma renda per capita de mais de vinte mil dólares, 3,2 bilhões de habitantes do mundo sub-desenvolvido vivem com uma média de 350 dólares, menos de 30 dólares por mês. Cerca de 150 milhões de crianças hoje passam fome no mundo, cifra projetada para 180 no ano 2000, enquanto cerca de 12 milhões simplesmente morrem antes dos cinco anos. O analfabetismo atinge mais de 800 milhões de pessoas, e aumenta de cerca de 10 milhões a cada ano que passa. O planeta ganha anualmente cerca de 90 milhões de novos habitantes, sendo que cerca de 60 milhões já nascem nas áreas mais miseráveis, condenados no seu primeiro dia de vida. Não se conseguem os cinco centavos de dólar por criança que custa o iodo que impedirá o bócio, ou os dez centavos para a vitamina A que impedirá a cegueira. Cerca de um milhão de crianças ficam assim mutiladas para a vida inteira, por ano. Meio milhão de mães morrem anualmente de parto, por não ter acesso a serviços e informação médica elementar: no conjunto dos paises desenvolvidos são apenas 5 mil. Uma África devastada chora as suas últimas árvores, e vê os seus solos desprotegidos carregados pelos ventos e pelas chuvas torrenciais, enquanto o Ocidente que a devastou lhe recomenda cuidados ambientais. (...)” (in A Reprodução Soical – Editora Vozes)

Este quadro nos assusta e muitas vezes nos sentimos tentados à respostas individualistas, à falsa espiritualidade, de buscar respostas apenas nos ritos (a espiritualidade com hora ou dia marcado), ao desespero e soluções alienantes (a moderna tecnologia nos supre de todos os Matrix/realidade virtual), ao ceticismo (vazio existencial), enfim de todas as formas que podem surgir para fugirmos de nós mesmos.

4) A Jornada Humana

Pela sua importância e atualidade de sua visão, profundamente holística, queremos fazer um registro e algumas considerações sobre aspectos das pesquisas do padre Pierre Teilhar de Chardin. Alguns dados da biografia deste autor são de extrema importância, como veremos a seguir:
« Jesuíta e paleontologista francês (Puy-de-Dôme, 1881; New York, 1955. A obra científica de Teilhard de Chardin situa-se principalmente na Ásia : descoberta do Sinanthropo (1929), explorações na Índia, em Java, participação no Cruzeiro Amarelo (1931, etc.). Seus escritos teológicos e filosóficos, proibidos pela Igreja durante sua vida, foram divulgados depois de sua morte. Iluminados por uma visão sintética do desenrolar universal da Evolução, eles dão valor ao fenômeno de complexificação cerebral do phylum humano, que levou ao aparecimento da consciência de si mesmo ("passo" da reflexão), depois a uma rêde mundial de comunicação dos pensamentos humanos, a noosfera, no coração da qual age o "Cristo Evolutor" e é quem conduz a Humanidade, de maneira imanente e transcendente, ao mesmo tempo, para o "ponto Omega" (Reino de Deus). Ele escreveu um livro de destaque, "O Fenômeno Humano," publicado depois de sua morte. »  Le Grand Larousse Universel, Tome 14, p. 10095
Dentro de suas idéias centrais temos a seguinte resenha:
Quando o Homem apareceu na Natureza, "no meio dos Primatas," ele desabrochou como "a flecha da Evolução zoológica" (PM p. 181). Ele era semelhante aos outros animais, exceto pelo fato de que ele trazia consigo uma diferença toda especial : a capacidade ainda adormecida de refletir. No estágio de hominização, os primeiros hominídeos tinham, em latência, um cérebro capaz de refletir, mas um sistema nervoso ainda primitivo. O movimento dispersivo do primeiro povoamento da Terra não favorecia a comunicação por agrupamentos. Em seguida, entretanto, durante o princípio da etapa do Homo Sapiens, no alvorecer da Era Neolítica, a Humanidade começava a se reunir, formando uma linha convergente sobre a Terra ; a aglomeração tornou-se necessária. Essa condição favorável encorajou o Homem a dar o Passo da Reflexão. Então um fenômeno muito especial é produzido : o nascimento de uma nova esfera planetária, acima da Biosfera, a Noosfera. A esse processo de dar origem a uma camada planetária inteiramente nova, formada totalmente pelo conjunto do pensamento humano, deu-se o nome de Noogênese (PH p. 160-173).
Esta é a visão  que está presente na reflexão de Leonardo Boff colocada no preâmbulo desta dissertação, mostrando a proximidade do pensamento dos dois autores.

5 – A Mística: Força Motriz da Práxis da Solidariedade
Em um seminário, promovido pela fundação Perceu Abramo, sobre Mística e Espiritualidade, diversas opiniões foram expressas sobre os significados mais profundos desta vivência, que se mostra mais forte do que o chamamos de crença.
Quem se move por uma mística não aceita a angústia como a última palavra. Porque o que entra em crise é a nossa projeção da utopia.
(Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra / e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer./ Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina / e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. C. Drummond)
São cristalizações históricas que não conseguem conter o grande sonho e, na prática, impedem a sua realização na vida das pessoas e das nações. A experiência mística é uma herança universal. É possível identificá-la em todas as civilizações e no cotidiano dos indivíduos. Mesmo quando há uma tendência a padronizá-la, domesticá-la e até torná-la propriedade de alguns iniciados. Porém, essa mística do compromisso ético e solidário relaciona-se fortemente com a mística da contemplação que é o saboreamento da presença da divindade na obra da criação e no trabalho humano. A mística se expressa conforme a conjuntura e a cultura: aparece como indignação, protesto, conflito, disputa, articulações. Mas não pode perder a dimensão da gratuidade: a ternura, o lazer, o ócio, a festa, a poesia, a celebração e a reza. A felicidade com que sonhamos deve realizar-se, desde já.

Referências bibliográficas:

SARTRE, J. P. O Existencialismo é um Humanismo. Apud. Os Pensadores. Vol. XLV, Abril Cultural.
BOCHENSKI. A Filosofia Contemporânea Ocidental. EDUSP, 2ª ed., 1975. FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno. 4ª ed., Agir.
JOLIVET, Régis. A Doutrina Existencialista. Livraria Tavares Martins, Porto, 1961.
LELOUP, J-Y – Caminhos da Realização – Dos medos do Eu ao mergulho no ser. – Petrópolis – Vozes – 1996

CAPRA, F – A Teia da Vida – Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos – São Paulo – Cultrix  - 1996.

BOFF, L – Ecologia  Mundialização Espiritualidade – São Paulo – Ática – 1993

CHAUI, M  - Ética e Violência – Artigo - http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=2305 (acesso maio de 2007)
BOFF, Leonardo. 1981. Igreja, carisma e poder: ensaios de eclesiologia militante. Petrópolis: Vozes.


Comentários e reflexões:
Frederico Ozanam Drummond

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