segunda-feira, 18 de abril de 2011

O OLHO QUE TUDO VÊ A SI SE VÊ?

Anotações para um Tratado sobre o Conhecimento:

TOMO 1

A leitura é uma forma especial de relacionamento com outros atores, assim como a observação, a audição, a atenção e a própria fala. Sou jornalista, ensaísta e poeta. Quando iniciei minha atividade em jornalismo tive um grande mestre: o escritor e filósofo Raduan Nassar (Lavoura Arcaica). O Raduan não fazia concessões. E seguramente um dos mais fortes elementos de sua disciplina para com os redatores era a obrigação que tínhamos de ler um romance por semana. Leio muito, todos os dias, em todas as oportunidades. Por hábito dificilmente faço uma leitura linear. Tenho sempre uma inquietação presente. Por exemplo: a possibilidade da vida ser em si um processo de cognição. Debruço sobre meia dúzia de livros. Em cada um deles colho o retalho de uma colcha e vai sendo tecida no interior do meu espírito. Em determinado momento tomo um livro - por exemplo, Um Deus Social - de Ken Wilber, ou um clássico de Piaget; então disciplinadamente lei o livro por inteiro. Isto acontece quando sinto que preciso ter o domínio não de uma idéia específica, mas do arcabouço teórico e dos insights de determinado autor. Construo esta trajetória com muita liberdade e assim como diz outro Drummond Penetro no reino surdo das palavras - com elas convivo: desta maneira da-se meu encontro com a filosofia.

TOMO 2

Um tema recorrente na filosofia - aparentemente desde os seus primórdios - é o debate em torno do que constitui a realidade: a sua essência - sua natureza primordial - e como ela se mostra - sua aparência. Neste sentido Platão é brilhante com a sua intuição descrita no Mito da Caverna. Ao longo da história da filosofia este debate prossegue, chegando aos dias atuais popularizado no cotidiano dos jornais, estimulado pelo filme Matrix, que transita entre o que poderiamos chamar de mundo real e um mundo ficcional (visto a partir do real), nos circuitos eletrônicos dos programas de computador. Num primeiro momento o homem experimenta a vida através dos seus sentidos - o que visão lhe mostra? A sombra projetada na parede? Então isto é real. O paradigma desta visão é toda a estrutura que os habitantes da caverna se vêem submetido. Mas um paradigma só tem sentido na história. Na construção de Platão os homens estariam condenados eternamente à visão a partir da caverna. A libertação como iluminação e emancipação aparecem no texto de Platão como algo fortuito: (...) Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente (...). Este mito lembra-nos outros como o do semideus Prometeu, que rouba dos deuses o fogo - a sabedoria - e os leva aos homens. O relato presente nas religiões abraamicas - sobre a Árvore da Viva - ou do Bem e do Mal - relata um estado de inocência primordial e dores existenciais, quando se inicia a trajetória ao mundo do conhecimento. A luz que cega, mas que também liberta: consciência da verdade. De certa forma a dor do parto (e o sofrimento do feto ) reproduz de forma arquetípica a saida da caverna em direção à luz.


TOMO 3


Gostaria de examinar a questão proposta pelo seu avesso: o que constrangeria o filósofo a abdicar de sua própria presença face às suas reflexões. Aliás, seria este um intento possível? Seria possível qualquer tipo de saber construído a despeito do sabedor (observador)? Ora, se aquele que sabe e reflete sobre este saber é a condição mesma desta própria saber, então como subtraí-lo? Vamos abstrair do Eu que conhece, sabe, faz história, reflete, enfim realiza aquela condição que o faz filósofo, a prerrogativa de sua identidade. O que sobra? Parece-nos que caímos em uma cilada conceitual; supor a obervação sem o observador.
Naturalmente poderíamos ainda argumentar: o real que se revela é uma tarefa de Deus. Mas se revela a quem, senão ao sujeito da revelação. Ainda hoje muitas correntes de pensamento supõem como natureza do saber científico a possibilidade de apropriar do real, de tal sorte que este real se distingue radicalmente do observador. Poderíamos descobrir as leis perenes deste real e, de tal sorte afirmá-la que estaríamos diante do real per si. Neste momento não seria oportuno maiores considerações sobre este movimento do pensamento científico (fortemente desenvolvido no final do século XIX e começo do século XX.).
A singularidade de tudo isto é que foi dentro da própria física, que vem surgindo um novo paradigma, que põe em questão este conceito de objetividade (a existência de um real per si) afirmado até então. Revendo agora alguns dos aspectos iniciais do nosso estudo de filosofia avançamos mais nas seguintes considerações:
- Toda a história da filosofia é marcada por dois pontos centrais:
a) (...) “ A verdade do mundo e dos humanos (...) podia ser conhecida por todos, através da Razão, que é a mesma em todos. (...) Assim a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza (donde o nome cosmologia )(...)”

b) Se a realidade é um fato objetivo – exterior aos seres humanos – o maior desafio do saber filosófico é desenvolver uma metodologia, que através da razão, do pensamento, revele objetivamente esta realidade.

Numa fase posterior ao chamado período Cosmológico – encontramos uma singular elaboração, desenvolvida pelo filósofo Sócrates, que identificará na introspecção o caminho do conhecimento. A expressão “conhece-te a ti mesmo”, tornou-se a divisa deste filósofo. “Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que o período socrático é antropológico”. E novamente indagamos “quem se conhecer”, senão o sujeito do conhecimento, que desta forma reafirma sua própria identidade ?

Anotações de Frederico Drummond

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Heráclito:NO UNIVERSO TUDO MUDA

Os pensadores do período inaugural filosofia  perguntam-se pela gênese do cosmos, a forma da Terra, o movimento dos astros, os ciclos meteorológicos, a origem da vida, o alcance do pensamento. Faziam perguntas que incomodam, como: eu sou quem penso que sou? Não aceitam as respostas prontas, tradicionais, e, sim, olhando em torno proferem suas conjecturas.alcance. Contra as superstições e crenças estabelecidas, contra um antigo saber já consagrado, preferiram o enfrentamento direto com o mistério, tentando decifrar os enigmas do nascimento e da morte, dos céus e da Terra.
            No meio destas indagações vamos encontrar um pensador que ajudou a mudar a forma de pensar todas as coisas, como bem sintetiza a professara Marilene Chauí (“Pausa para o Pensamento” – edição na Internet):
“Heráclito afirmava que somente o devir ou a mudança é real. O dia se torna noite, o inverno se torna primavera, esta se torna verão, o úmido seca, o seco umedece, o frio esquenta, o quente esfria, o grande diminui, o pequeno cresce, o doente ganha saúde, a treva se faz luz, esta se transforma naquela, a vida cede lugar à morte, esta dá origem àquela”.
O mundo, dizia Heráclito, é um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico a si mesmo, mas tudo se transforma no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, responsável pela ordem racional do universo. Nossa experiência sensorial percebe o mundo como se tudo fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada permanece, tudo se torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição.”
            Heráclito viveu na segunda metade do século VI A.C., em Éfeso, na Jônia, Ásia Menor. Escreveu em prosa, em dialeto jônico. Consta que por ser descendente dos fundadores da cidade, poderia ter sido rei de Éfeso, mas cedeu este direito a um irmão. Descontente com seus concidadãos, afirma, no fragmento 121, que os adultos deveriam enforcar-se todos e entregar o governo aos jovens; pois os efésios haviam expulsado da cidade, Hermodoro, seu melhor homem, porque não queriam entre eles alguém tão valoroso! Heráclito deixou de intervir nas questões políticas, passando a viver solitário. Mas com as crianças gostava de lidar. Foi visto, muitas vezes, jogando com meninos. O que aprendeu com eles deixou nestes dizeres que vêm ressoando através das eras: "O Tempo é uma criança brincando; o poder real é o de um menino" (fragmento 32).
Mas uma das expressões mais famosas atribuídas a Heráclito para caracterizar a natureza, com uma essência sempre em mudança é: Ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio. Com isto Heráclito procurava mostrar que a vida é como um rio em permanente movimento. Mas se de uma lado podemos fazer observações desta forma singelas sobre o pensamento deste filósofo, por outro é fundamental acentuar sua contribuição para o surgimento da Teoria do Conhecimento.
Trazemos novamente outra contribuição da professora Chauí sobre o pensamento de Heráclito:
“Quando estudamos o nascimento da Filosofia, vimos que os primeiros filósofos se preocupavam com a origem, a transformação e o desaparecimento de todos os seres. Preocupavam-se com o devir. Duas grandes tendências adotaram posições opostas a esse respeito, na época do surgimento da Filosofia: a do filósofo Heráclito de Éfeso e a do filósofo Parmênides de Eléia.
Heráclito afirmava que somente o devir ou a mudança é real. O dia se torna noite, o inverno se torna primavera, esta se torna verão, o úmido seca, o seco umedece, o frio esquenta, o quente esfria, o grande diminui, o pequeno cresce, o doente ganha saúde, a treva se faz luz, esta se transforma naquela, a vida cede lugar à morte, esta dá origem àquela.
O mundo, dizia Heráclito, é um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico a si mesmo, mas tudo se transforma no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, responsável pela ordem racional do universo. Nossa experiência sensorial percebe o mundo como se tudo fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada permanece, tudo se torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição.”

Parmênides: confundimos o real com nossas sensações e lembranças.

Parmênides afirmava que o devir, o fluxo dos contrários, é uma aparência, mera opinião que formamos porque confundimos a realidade com as nossas sensações, percepções e lembranças. O devir dos contrários é uma linguagem ilusória, não existe, é irreal, não é. É o Não-Ser, o nada, impensável e indizível. O que existe real e verdadeiramente é o que não muda nunca, o que não se torna oposto a si mesmo, mas permanece sempre idêntico a si mesmo, sem contrariedades internas. É o Ser.

Pensar e dizer só são possíveis se as coisas que pensamos e dizemos guardarem a identidade, forem permanentes. Só podemos dizer e pensar aquilo que é sempre idêntico a si mesmo. Por isso somente o Ser pode ser pensado e dito. Nossos sentidos nos dão a aparência mutável e contraditória, o Não-Ser; somente o pensamento puro pode alcançar e conhecer aquilo que é ou existe realmente, o Ser, e dizê-lo em sua verdade. O logos é o ser como pensamento e linguagem verdadeiros e, portanto, a verdade é a afirmação da permanência contra a mudança, da identidade contra a contradição dos opostos.

Parmênides introduz a idéia de que o que é contrário a si mesmo, ou se torna o contrário do que era, não pode ser (existir), não pode ser pensado nem dito porque é contraditório, e a contradição é o impensável e o indizível, uma vez que uma coisa que se torne oposta de si mesma destrói-se a si mesma, torna-se nada.

O filósofo defendia a tese que os sentidos atestavam o devir, o nascer e o morrer, do calor e do frio, do dinamismo e da estaticidade, portanto o ser unido com o não-ser daria todo o enraizamento do erro (opiniões falaciosas) pela admissão da simples probabilidade da coexistência e também da passagem de um (ser) para o outro (não ser) e vice-versa (do não-ser para o ser).

Neste patamar, esse filósofo, afirma que reconhecia a possibilidade e a legitimidade do certo tipo de discurso que desse conta dos fenômenos e das aparências sem ir contra os princípios: o ser é e o não-ser não é. Para isso foi buscado, a seu modo, dar conta dos fenômenos expondo a opinião plausível além da falaciosa.

Dizia que o erro dos indivíduos foi ter falado e concebido que, assim como o dia e a noite eram opostos, o ser e o não-ser também seguiria o mesmo raciocínio, porem foi observado no fragmento oitavo que as forças contrarias, pois tanto a luz quanto a escuridão são iguais, portanto são seres e não-seres.

Então para finalizar, para Parmênides, o erro dos humanos está em não compreenderem que a força dos contrários está incluída numa força única superior, ou seja, numa unidade necessária, que se denominava a unidade do ser, pois as forças opostas são iguais e necessárias, pois em sua essência não carrega o nada e sim a igualdade de pertencer a força do ser.

Parmênides teve uma grande importância nos estudos metafísicos devido as características encontradas em seu poema, foi também considerado o fundador da metafísica ocidental com a distinção do ser e do não-ser. Deixou uma forte base para todo o pensamento filosófico - cientifico da conceituação e da definição do ser e do não-ser. Portanto até hoje suas idéias ainda são questionadas a respeito do assunto abordado e do vir-a-ser, que é a mera ilusão.

Com Parmênides nasce a metafísica e a lógica.

Não se sabe ao certo, mas Parmênides nasceu em Eléia na Grécia. Até onde é sabido, ele não foi um seguidor, um colaborador de um mestre ou apenas um elaborador de um pré-pensamento, podendo ser considerado um homem inovador de pensamento avançado para sua época.

Sua doutrina foi mostrada num poema cujo titulo é “Da Natureza”, onde os sentidos para o filósofo eram considerados como enganadores e a multidão das coisas sensíveis eram dados como uma mera ilusão. Nesse poema foi atribuído três pontos importantes do seu pensamento, estes eram chamados de ‘vias’ à pesquisa, que eram: verdade absoluta, opiniões falaciosas ou da falsidade absoluta e a outra era a opinião plausível.

Entender o pensamento deste filósofo não é tarefa simples. Vamos ver a seguir que uma expressão sua, que parece uma brincadeira de estudantes, constitui a base do pensamento lógico. Dizia Parmênides: O ser é e não pode deixar de ser; o não-ser não é e não pode deixar de não ser.

Vamos aprofundar o sentido desta reflexão: Parmênides afirmava que o devir, o fluxo dos contrários, é uma aparência, mera opinião que formamos porque confundimos a realidade com as nossas sensações, percepções e lembranças. O devir dos contrários é uma linguagem ilusória, não existe, é irreal, não é. É o Não-Ser, o nada, impensável e indizível. O que existe real e verdadeiramente é o que não muda nunca, o que não se torna oposto a si mesmo, mas permanece sempre idêntico a si mesmo, sem contrariedades internas. É o Ser.

Pensar e dizer só são possíveis se as coisas que pensamos e dizemos guardarem a identidade, forem permanentes. Só podemos dizer e pensar aquilo que é sempre idêntico a si mesmo. Por isso somente o Ser pode ser pensado e dito. Nossos sentidos nos dão a aparência mutável e contraditória, o Não-Ser; somente o pensamento puro pode alcançar e conhecer aquilo que é ou existe realmente, o Ser, e dizê-lo em sua verdade. O logos é o ser como pensamento e linguagem verdadeiros e, portanto, a verdade é a afirmação da permanência contra a mudança, da identidade contra a contradição dos opostos.

Parmênides introduz a idéia de que o que é contrário a si mesmo, ou se torna o contrário do que era, não pode ser (existir), não pode ser pensado nem dito porque é contraditório, e a contradição é o impensável e o indizível, uma vez que uma coisa que se torne oposta de si mesma destrói-se a si mesma, torna-se nada.

O filósofo defendia a tese que os sentidos atestavam o devir, o nascer e o morrer, do calor e do frio, do dinamismo e da estaticidade, portanto o ser unido com o não-ser daria todo o enraizamento do erro (opiniões falaciosas) pela admissão da simples probabilidade da coexistência e também da passagem de um (ser) para o outro (não ser) e vice-versa (do não-ser para o ser).

Neste patamar, esse filósofo, afirma que reconhecia a possibilidade e a legitimidade do certo tipo de discurso que desse conta dos fenômenos e das aparências sem ir contra os princípios: o ser é e o não-ser não é. Para isso foi buscado, a seu modo, dar conta dos fenômenos expondo a opinião plausível além da falaciosa.

Dizia que o erro dos indivíduos foi ter falado e concebido que, assim como o dia e a noite eram opostos, o ser e o não-ser também seguiria o mesmo raciocínio, porem foi observado no fragmento oitavo que as forças contrarias, pois tanto a luz quanto a escuridão são iguais, portanto são seres e não-seres.

Então para finalizar, para Parmênides, o erro dos humanos está em não compreenderem que a força dos contrários está incluída numa força única superior, ou seja, numa unidade necessária, que se denominava a unidade do ser, pois as forças opostas são iguais e necessárias, pois em sua essência não carrega o nada e sim a igualdade de pertencer a força do ser.

Parmênides teve uma grande importância nos estudos metafísicos devido as características encontradas em seu poema, foi também considerado o fundador da metafísica ocidental com a distinção do ser e do não-ser. Deixou uma forte base para todo o pensamento filosófico - cientifico da conceituação e da definição do ser e do não-ser. Portanto até hoje suas idéias ainda são questionadas a respeito do assunto abordado e do vir-a-ser, que é a mera ilusão.

HOJE NÓS PENSAMOS MAIS COMO HERÁCLITO OU COMO PARMÊNIDES ?

Parte da geração dos anos 30 (prosseguindo até os dias atuais) foi fortemente influenciada pelo pensamento marxista. Noções como dialética contradição antagônica, superação dos opostos fazia parte do universo intelectual desta geração. Por sua vez o pensamento hegeliano teria exercido uma influência muito importante na consolidação do pensamento dialético do final do século XIX e começo do século XX.
Uma outra vertente do pensamento, originária do encontro da física quântica com a chamada psicologia transpessoal e a ecologia profunda  (tento como importante divulgador o físico Fritjof Capra), promoveu uma singular aproximação com o misticismo oriental. Esta corrente de pensamento pode ser identificada como sistêmica, ecológica ou holística (existe um grande diálogo crítico entre os representantes  destas correntes).
Citando especificamente os escritos de Capra (Física Moderna e Misticismo Oriental – Além do Ego – p 70), podemos entender melhor o sentido da Impermanência como sentido fundamental da realidade:

            “Uma das principais descobertas da teoria quântica foi o reconhecimento de que a probabilidade é um elemento fundamental da realidade atômica que rege todos os processos e até a existência da matéria. As partículas subatômicas não estão com certeza em lugares definidos, mostrando antes – como disse Heisenberg – tendências a existirem. Os eventos atômicos não ocorrem com certeza em momentos definidos e de maneiras definidas, mostrando antes tendências a ocorrerem. (...)”.

Para ficarmos apenas com estas duas importantes referências identificamos no pensamento de Heráclito uma maior proximidade com a visão contemporânea da realidade. Sua formulação “ Tudo é devir e movimento” é singularmente contemporânea.

terça-feira, 12 de abril de 2011

O nascimento do amor - O Banquete, 203b-204b, Platão




De que pai ele nasceu, perguntei, e de que mãe? – É uma história um tanto longa; mesmo assim vou contá-la a ti. No dia em que Afrodite nasceu, os deuses deram um banquete. Com eles estava o filho de Métis, Poros. Depois do Jantar, Penia tinha vindo mendigar, o que é natural num dia de abundância de comidas e bebidas, e mantinha-se perto da porta. Poros, que se tinha embriagado com néctar (pois o vinho não existia ainda), entrou no jardim de Zeus e, entorpecido, adormeceu. Penia, na sua penúria, teve a idéia de ter um filho de Poros; deitou-se junto a ele e concebeu o Amor. É por isso que o Amor se tornou companheiro de Afrodite e seu servidor. Concebido por ocasião das festas pelo nascimento dela, por sua própria natureza, ama o belo – a Afrodite é bela.
            Então, sendo filho de Poros e de Penia, o Amor acha-se na seguinte situação: por um lado, é sempre pobre, e, longe de ser delicado e belo como acredita a maioria das pessoas, é, pelo contrário, rude, desagradável, caminha pelo mundo de pés descalços, não tem morada, dorme sempre no chão duro, ao ar livre, perto das portas e nos caminhos, pois puxou à mãe; e a necessidade acompanha-o sempre. Por outro lado, a exemplo de seu pai, está sempre à espreita do que é belo e do que é bom; é viril, resoluto, ardente, é um caçador de primeira ordem, está sempre inventando manhas; aspira ao saber e sabe encontrar as passagens que o levam a ele; passa todo o tempo de sua vida filosofando; é um maravilhoso feiticeiro, e mágico, e sofista. É preciso acrescentar ainda que, por natureza, não é imortal nem mortal. Num mesmo dia, ora floresce e vive, ora morre; depois revive quando por ele perpassam os recursos que deve à natureza de seu pai, mas o que se passa nele, incessantemente, lhe escapa; assim sendo, o Amor não está jamais na indigência nem na opulência.
            Por outro lado, mantém-se entre o saber e a ignorância; e eis o que acontece: nenhum deus se ocupa em filosofar nem deseja se tornar sábio, pois já o é. E, de uma maneira geral, quando se é sábio não se filosofa; mas os ignorantes, também eles, não filosofam e não desejam se tornar sábios. É isso justamente que é deplorável na ignorância: não se é belo, nem bom, nem inteligente e, no entanto, se acredita sê-lo. Não se deseja uma coisa quando não se sente a sua falta. – Quem são, Diotima, perguntei, os que filosofam, se não são nem os sábios nem os ignorantes? – É muito claro, respondeu, até uma criança o veria imediatamente: os que se encontram entre os dois; e o Amor deve estar entre eles. A ciência, com efeito, está incluída entre as coisas mais belas; ora, o Amor é amor pelo belo; impõe-se, portanto, que o Amor seja filósofo e, por ser filósofo, que esteja no meio-termo entre o sábio e o ignorante. A causa disso está na origem, pois ele nasceu de um pai sábio e cheio de recursos e de uma mãe desprovida tanto de ciência quanto de recursos. É essa, meu caro Sócrates, a natureza desse demônio.

            Platão, Obras Completas. O Banquete, 203b-204b

PARA NOSSA REFLEXÃO:
1) Do que fala o mito?


Da natureza ambígua, súbita e imprevisível do Amor (um demônio), que pode ser de tão sorte despojada, padecendo de grandes privações para realizar este propósito de entrega e, ao mesmo tempo, possessivo, egoísta, capaz de astúcias para manter prisioneiro o objeto de sua possessão. Pelo amor se morre, pelo amor se mata O poeta Carlos Drummond fala assim sobre esta natureza mutante do amor:.  

(...) Amor é compromisso
com algo mais terrível do que o amor?(...)

(Poema: Mineração do Outro)


2) Qual é a função deste tipo de linguagem (mítica ou alegórica) utilizada por Platão neste trecho?

Através de imagens e simbolismo Platão trata um conceito extremamente complexo – como a natureza do Amor – usando uma linguagem acessível para a maioria das pessoas.


3) Qual é a relação entre o Amor a Filosofia? Porque Platão utiliza-se do Amor para definir a Filosofia?

Ora, em sua própria definição está a resposta, pois a Filosofia é a arte de amar a sabedoria.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

ÉTICA A NICÔMACO – Aristóteles

Observação: Os comentários que se seguem referem-se ao Livro I da Ética a Nicômaco


“(...) Se existe então, para as coisas que fazemos, algum fim que desejamos por si mesmo e tudo o mais é desejado por causa dele (...) evidentemente tal fim de ser o bem, ou melhor, o sumo bem.(...) E ao que parece, ele é objeto da ciência mais prestigiosa e que prevalece sobre tudo (a ciência política) (...)” (in  Ética a Nicômaco – Aristóteles- págs 17 e 18) 


O trecho que reproduzimos acima da obra de Aristóteles nos parece conter os conceitos fundamentais que ele irá desenvolver ao longo de suas reflexões sobre a ética. Neste sentido vale buscar aprofundarmos um pouco mais no percurso que Aristóteles faz ao versar sobre as práticas humanas, como ações que tem a si mesmas o seu sentido e sendo seu estudo realizado pela Ética. Mas porque Aristóteles considera o estudo destas práticas como o objeto da Ciência Política? 
O conceito de Ética aqui expresso já possui um foco: se as ações dos indivíduos têm um sentido, ele não é outro que o “sumo bem”; as virtudes relacionadas a esta prática humana, tais como  coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemência, prudência, amizade, justiça, modéstia, honradez, temperança só se consolida em uma dimensão relacional.  
Ao longo do desenvolvimento de suas idéias Aristóteles reforça o conceito o valor a vida em sociedade (tribo, família e polis) como uma forma superior  de realização das virtudes e afirmação da ética.
Segundo nos diz a professora Marilene Chauí para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a política é superior à ética, pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é conseguida na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e bela, a vida livre. Embora não haja  uma referência explícita ao conceito é possível identificar a ética aristotélica como resultante de uma práxis e, o estudo da ciência política dirigido, não para um conhecimento abstrato das noções morais, mas para a própria ação moral. Na classificação dos campos de conhecimento existe um espaço específico para a Ética, investigada pelas chamadas Ciências Práticas.  Este é o campo da ciências que estudam as práticas humanas enquanto ações que têm nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela mesma, é o próprio ato realizado (diferente das Ciências Produtivas e das Ciências Teóricas).